segunda-feira, 16 de setembro de 2013

THÉO SILVA: INFÂNCIA E DESENCANTO



DOUGLAS MENEZES
O que há de comum entre Théo Silva, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Raul Pompeia e Manuel bandeira, só para citar esses? A visão, muitas vezes, amarga da infância, o desencanto expresso em forma de reminiscências. A mostra maior de que a primeira idade nunca foi um momento cor de rosa que alguns insistem em pintar. A melancolia de um período que marca com a dor e os traumas que virão depois, que acompanharão o adulto para sempre.

Mas essa visão traumática e realista atesta a grandeza desses escritores. É a vida observada como consequência da soma de experiências que começam cedo. A tristeza de ver seus passos tolhidos precocemente, os sonhos tornando-se realidade frustrante.

Então, adulto já, a voz da desilusão com a existência: “Vamos saber sentir a dor que nos maltrata / A dor que mata lentamente o riso / de todo orgulho banal de viver/ Porque tudo na vida é falível / E tudo passa nesse mundo de ilusão e sofrer”.

Como Théo Silva se aproxima de Manuel bandeira no seu poema “Meu Natal de Ontem e Meu Natal de Hoje”, na linguagem simples, na expressão narrativa do texto, na tristeza nítida, sem ornamentos romantizados e trazendo a angústia sincera de mostrar já um mundo despoetizado da infância, onde os meninos pobres apenas sonhavam, sem ter: “Mas infelizmente eu fui criado na rede encardida da necessidade / Nunca tive mais que um tostão no bolso em dia de festa / Nunca ouvi falar num presente de natal / A única coisa que me contentava na vida / Era ter, todo ano na festa de São Sebastião, uma roupinha nova de marujo, mal feita”.

Théo Silva viveu no Cabo, nasceu no Cabo, terra dos canaviais, do cheiro de cana, do doce que era amargo para os meninos pobres, a maioria. E o adulto atestou isso. Num de seus poemas a lembrança que nos traz da criança num momento de peraltice. Na igreja abriu a caixinha de hóstia e comeu cinco, fato que o marcou profundamente já como adulto. A primeira idade estigmatizando o homem feito. A hóstia, no poema Superstição, não trouxe a bênção sagrada, mas a certeza de que as dores ao longo da vida é reflexo dos primeiros momentos infantis: “ Quem sabe se não foi aquilo / E parece mesmo verdade / Porque a felicidade / Vive correndo de mim”.

A obra de Théo Silva possui a marca trágica de um caminho que a Literatura dos grandes escritores procura expressar. Obra potente marcada por uma desilusão, um desencanto que parece ser algo individual, mas, na verdade, demonstra universalidade. Essa busca incessante de felicidade que o homem carrega no seu interior em qualquer lugar do planeta e que, não raras vezes, se transforma num processo de sofrimento e decadência até o final da vida: “O destino jogou-me na rua da vida / E a vida amparou-me nos braços / A ilusão se fez a minha amante trágica / E eu morri para tudo quanto foi amor”.

É importante também citar, dentro da poesia de Théo Silva, a musicalidade, a sonoridade Neosimbolista, o ritmo a serviço de uma visão solitária sobre a humanidade, a onomatopeia que lembra uma cantiga infantil, porém com o sopro da amargura adulta: “Blim blão...blim blão / Quem é que não tem na vida o sino da solidão / O badalar dentro d’alma / Quando morre uma ilusão? / Blim blão, blim blão”.

Por fim, insistamos no aspecto que achamos norteador da obra do poeta Théo Silva: a infância como combustível para uma poesia cercada pelo pessimismo, solidão e um destino fatalista que parece ser o de final trágico da humanidade: “Quem não conhece a história / Dessa velha que pediu, / Quando caiu na fogueira / ‘Bota água meu netinho’ / Mas a criança se esconde/ ( Se ia morrer na grelha!? / Pois assim é meu destino / Peço água, ele responde / Igual àquele menino: ‘ Azeite, senhora velha’ “.

Douglas Menezes, ano da graça de 2013, 6 de agosto.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

UMAS E OUTRAS: LIÇÃO DE HUMANIDADE


DOUGLAS MENEZES

Faz mais de quarenta anos que Chico Buarque gravou a canção Umas e Outras e, apesar do tempo, ela continua com a mesma atualidade humana da época em que foi lançada. Ali, Chico, um artista ainda em busca de afirmação e já tendo problemas com a censura da ditadura militar, mostrava ao país a tendência de uma obra tão vigorosa artisticamente como igualmente forte em relação ao conteúdo humanístico. Além disso, confirmava ao Brasil que sua música não se detinha apenas a questões políticas, mas que abrangia o humano, naquilo que os seres têm de mais importante: o sentido da existência aqui na terra.

O encontro de uma freira e uma prostituta numa rua da cidade é um dos pontos altos do fazer musical do compositor carioca. E a possível antítese contida no poema, paradoxo mesmo, dilui-se, no desenrolar do texto, à medida em que a identidade entre as duas se afirma: ambas sofrem com as frustrações da existência. Ambas olham-se com o mesmo olhar que a vida vazia e angustiada trouxe para elas: “ O acaso fez com que essas duas / Que a sorte sempre separou/Se cruzem pela mesma rua, olhando-se com a mesma dor”.

Na música, a evidência de que nas duas não existiu escolha. O recato forçado da religiosa, “Se uma nunca deu sorriso, que é pra melhor se resguardar”, corresponde, também, ao sorriso artificial da prostituta, “Se a outra não tem paraíso,/não dá muita importância não / Pois já forjou seu sorriso / E fez do mesmo profissão”. O destino traçou para as mulheres o elo de ligação que faltava para que tivessem algo em comum: a vida é um fardo pesado para carregar e trata de juntar a todos numa mesma dor.

Assim, a infelicidade não escolhe a quem “contemplar”. A religião, na verdade, é vista como uma fuga. O paraíso é algo incerto e talvez infernal, já que o “céu” não foi uma opção individual, mas vindo de fora para dentro, arrastando, tormenta sem fim, qualquer possibilidade de uma vivência feliz aqui no plano terreno. As duas, vítimas do todo social. As duas vendendo-se para poder suportar o viver. E cada uma a seu modo: “E toda santa madrugada / Quando uma já sonhou com Deus/ A outra triste namorada / Coitada, já deitou com os seus”.

Douglas Menezes é professor de Língua Portuguesa e especialista em Literatura Brasileira. Email: douglasmenezesnet@gmail.com