quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

CALA BOCA, CALABAR, CALA!

As coisas estavam pretas para o lado dos holandeses, por volta de abril de 1632, quando um soldado de nome Calabar, forte e audaz, trocou de lado, deixando de ser aliado dos portugueses para apoiar os novos senhores de Pernambuco.

Calabar, um mameluco filho de pai português e de mãe indígena, prestou um bom serviço para os invasores durante 3 anos, mas foi um tempinho arrasador para os portugueses e mazombos (leia-se brasileiros). Justiça seja feita, naquela época era normal virar a casaca, mas Calabar estava na hora, local e dia errados! E, ainda, era o Homem que Sabia Demais.

Até hoje muito se especula das razões que levaram Calabar a trair os portugueses. Era um homem inteligente e grande conhecedor da região e era brabo. Lutou ao lado do general Matias de Albuquerque, tendo sido ferido na guerra. Bem. Sabe como é que é.

Traidor pra lá, traidor pra cá, os holandeses olhavam assim de viés para Calabar, que não tava nem ai. Dizem as más línguas que ele tinha matado um mulher que estava lhe enchendo o saco cobrando pensão alimentícia.

Naquela época era enforcamento certo. Outros, piores línguas ainda, disseram que ele devia uma grana preta para os portugueses, e, como os outros invasores tinham um acordo com a Inquisição, Calabar escaferdeu-se. (sim, minha senhora, tanto portugueses como holandeses invadiram o Brasil, ou a senhora não tinha percebido?)

Mas Calabar fez aquele agá com um coronel holandês de nome esquisito (Van Waerdenburch) e o levou por caminhos tortuosos, mas Certos, a saquear Igaraçu (ou Igarassu), que era a segunda cidade mais importante de Pernambuco, por onde boa parte da riqueza de então era transportada.

Um outro coronel, Sigismund von Schoppe, viu ali uma boa oportunidade de ter um bom amigo na pessoa de Calabar, que não era assim tão calado, como se vê.

Do lado de cá, ou do lado de lá, quer dizer, dos portugueses, Matias Albuquerque ficou pê da vida com a "traição" de Calabar, e mandou dizer que tolerava outra "traição" dele, desde que agora, do lado dos portugueses, oferecendo-lhe não só o cargo de agente duplo mas também o perdão pela traição cometida e mais uns trecos aí. Acho que a proposta foi tão mesquinha que Calabar sequer dignou-se a responder, o que deixou Matias mais pê ainda.

De Itamaracá até a fortaleza dos Reis Magos (na cidade hoje de Natal), os holandeses conquistaram tudo fácil fácil, com a ajuda do falante Calabar.

E tem mais: os índios tapuias, famosos e ferozes antropófagos ficaram amigos dos flamengos (não estamos falando do time carioca, estamos falando dos holandeses, que também eram chamados de flamengos), para desgraça dos portugueses (abrindo mais um parênteses: os tapuias eram sanguinários: o cabra ainda tava vivo ainda e eles metiam um troço qualquer na barriga do sujeito, que era aberta, puxavam as tripas e o coração pra fora e deixavam o coitado gritando. Depois, era só fazer uma fogueira massa...).

O lado sul também foi conquistado graças a Calabar, como o forte do Cabo de Santo Agostinho, o que atrapalhou ainda mais a vida dos portugueses. Nessas alturas, tudo que era oficialidade graúda queria ser amigo de Calabar, para usar as informações deste e se locupletarem com as conquistas fáceis. Afinal, o mapa da mina estava com o nosso anti-herói.

O comandante Matias de Albuquerque estava desesperado com o estrago feito com a "traição" de Calabar, esquecendo que oficiais holandeses, alemães, austríacos e de outros povos também tinham passado para o lado dos portugueses. E vice-versa.

De repente, Matias de Albuquerque se lembrou que Calabar fora criado junto com um primo-irmão que agora poderia ser muito útil. De imediato, mandou chamar o parente de Calabar. Prometeu mundos e fundos, desde que, palavras textuais "que lhe faria mercê que o contentasse se pudesse matá-lo em algum ataque". Antonio Fernandes, o tal primo-irmão, nem teve tempo de cumprir a promessa. Morreu na tentativa.

Nesse ínterim, Calabar tornou-se um membro estimado, temido e respeitado no meio dos invasores, parece que até se convertendo à Igreja Católica Reformada. Tanto é verdade, que quando sua esposa teve um filhinho, durante a guerra, a criança foi batizada nessa igreja.

E a turma do puxa-saco se aproveitou: as testemunhas foram o alto conselheiro Servatius Carpentier, o coronel Sigismund von Schoppe, o coronel polonês Chrestofle Arciszewski, o almirante Jan Cornelisz Lichthart e uma senhora da alta sociedade. O pastor oficiante foi provavelmente o Rev. Daniel Schagen. Tudo nos trinques. O menino foi batizado como Domingo Fernandus, filho de Domingo Fernandus Calabara e Barbara Cardoza.

Mas nem tudo que é bom dura muito. Orientados por Calabar, os holandeses continuaram a expansão para o sul e, em março de 1635, atacaram Porto Calvo, a terra natal de... Calabar. Debandada geral. A cidade rendida, quem conseguiu fugir, se mandou para o sul.

O Arraial de Bom Jesus, comandado por Matias de Albuquerque, ficou isolado. A maior miséria. Depois de três meses, o Arraial também caiu. Matias também fugiu para o sul acompanhado de 7 mil moradores que preferiram fugir a se submeterem aos holandeses.

No meio do caminho não tinha uma pedra, e sim Porto Calvo. Matias chegou com aquela galera enorme na pequena cidade de Alagoas (que ainda era território de Pernambuco), que nessa altura estava defendida por apenas 500 homens comandados pelo Major Picard. Matias atacou a cidade, que teve que pedir condições de se render.

Picard, que sabia das coisas, sacou logo que tinha um problemão nas mãos: Calabar. E tentou salvá-lo, conseguindo apenas que ele ficaria "à mercê d'el-rei". Para bom entendedor, meia palavra basta!

Não deu outra: rapidamente foi constituído um tribunal militar, com a sentença de morte pronta (igual ao que fizeram com Frei Caneca). Bastava apenas a formalidade do julgamento. E, no dia 22 de julho de 1635, a sentença foi executada - perdão, Calabar foi executado, cujo corpo sequer foi enterrado. Ficou por ali mesmo.

Os portugueses, que não eram bestas, se mandaram. Comandados por Matias de Albuquerque, fugiram dois dias antes da chegada de uma grande tropa de holandeses que ficaram enfurecidos quando viram os restos mortais de Calabar; afinal este era compadre e amigo dos comandantes que ali estavam, os coronéis Sigismund e Arciszweski (tu ia gosta de ver teu amigo e compadre de noitadas, ali, no chão, morto e fedendo, sem direito a sepultura, ia, ia!?). E assim Calabar foi enterrado com honras militares.

Finalmente calaram a boca de Calabar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA DO CARNAVAL

Claudia M. de Assis Rocha Lima

Pesquisadora

ORIGEM DO CARNAVAL

Dez mil anos antes de Cristo, homens, mulheres e crianças se reuniam no verão com os rostos mascarados e os corpos pintados para espantar os demônios da má colheita. As origens do carnaval têm sido buscadas nas mais antigas celebrações da humanidade, tais como as Festas Egípcias que homenageavam a deusa Isis e ao Touro Apis. Os gregos festejavam com grandiosidade nas Festas Lupercais e Saturnais a celebração da volta da primavera, que simbolizava o Renascer da Natureza. Mas num ponto todos concordavam, as grandes festas, como o carnaval, estão associadas a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais. O carnaval se caracteriza por festas, divertimentos públicos, bailes de máscaras e manifestações folclóricas. Na Europa, os mais famosos carnavais foram ou são: os de Paris, Veneza, Munique e Roma, seguidos de Nápoles, Florença e Nice.

CARNAVAL NO BRASIL

O carnaval foi chamado de Entrudo por influência dos portugueses da Ilha da Madeira, Açores e Cabo Verde, que trouxeram a brincadeira de loucas correrias, mela-mela de farinha, água com limão, no ano de 1723, surgindo depois as batalhas de confetes e serpentinas. No Brasil, o carnaval é festejado tradicionalmente no sábado, domingo, segunda e terça-feira anteriores aos quarentas dias que vão da quarta-feira de cinzas ao domingo de Páscoa. Na Bahia, é comemorado também na quinta-feira da terceira semana da Quaresma, mudando de nome para Micareta. Esta festa deu origem a várias outras em estados do Nordeste, todas com características baianas, com a presença indispensável dos Trios Elétricos e são realizadas no decorrer do ano; em Fortaleza realiza-se o Fortal; em Natal, o Carnatal; em João Pessoa, a Micaroa; em Campina Grande, a Micarande; em Maceió, o Carnaval Fest; em Caruaru, o Micarú; no Recife, o Recifolia, já extinto.

CARNAVAL NO RECIFE

Século XVII - De acordo com as antigas tradições, mais ou menos em fins do século XVII, existiam as Companhias de Carregadores de Açúcar e as Companhias de Carregadores de Mercadorias. Essas companhias geralmente se reuniam para estabelecer acordo no modo de realizar alguns festejos, principalmente para a Festa de Reis. Esta massa de trabalhadores era constituída, em sua maioria, de pessoas da raça negra, livres ou escravos, que suspendiam suas tarefas a partir do dia anterior à festa de Reis. Reuniam-se cedo, formando cortejos que consistia de caixões de madeira carregados pelo grupo festejante e, sentado sobre ele uma pessoa conduzindo uma bandeira. Caminhavam improvisando cantigas em ritmo de marcha, e os foguetes eram ouvidos em grande parte da cidade.

Século XVIII - Os Maracatus de Baque Virado ou Maracatus de Nação Africana, surgiram particularmente a partir do século XVIII. Melo Morais Filho, escritor do século passado, no seu livro Festas e Tradições Populares, descreve uma Coroação de um Rei Negro, em 1742. Pereira da Costa, à página 215 do seu livro, Folk-lore Pernambucano, transcreve um documento relativo à coroação do primeiro Rei do Congo, realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da Paróquia da Boa Vista, na cidade do Recife. Os primeiros registros destas cerimônias de coroação, datam da segunda metade deste século nos adros das igrejas do Recife, Olinda, Igarassu e Itamaracá, no estado e Pernambuco, promovidas pelas irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito.

Século XIX - Depois da abolição da escravatura, em 1888, os patrões e autoridades da época permitiram que surgissem as primeiras agremiações carnavalescas, formadas por operários urbanos nos antigos bairros comerciais. Supõe-se que as festas dos Reis Magos serviram de inspiração para a animação do carnaval recifense. De acordo com informações de pessoas antigas que participaram desses carnavais, possivelmente o primeiro clube que apareceu foi o dos Caiadores. Sua sede ficava na Rua do Bom Jesus e foi fundador, entre outros, um português de nome Antônio Valente. Na terça-feira de carnaval à tarde o clube comparecia à Matriz de São José, tocando uma linda marcha carnavalesca e os sócios levando nas mãos baldes, latas de tinta, escadinhas e varas com pincéis, subiam os degraus da igreja e caiavam (pintavam), simbolicamente. Outros Clubes existiam no bairro do Recife: Xaxadores, Canequinhas Japonesas, Marujos do Ocidente e Toureiros de Santo Antônio.

Século XX - O carnaval do Recife era composto de diversas sociedades carnavalescas e recreativas, entre todas destacava-se o Clube Internacional, chamado clube dos ricos, tinha sua sede na Rua da Aurora, no Palácio das Águias. A Tuna Portuguesa, hoje Clube Português, tinha sua sede na Rua do Imperador. A Charanga do Recife, sociedade musical e recreativa, com sede na Avenida Marquês de Olinda e a Recreativa Juventude, agremiação que reunia em seus salões a mocidade do bairro de São José. O carnaval do início deste século era realizado nas ruas da Concórdia, Imperatriz e Nova, onde desfilavam papangus e máscaras de fronhas (fronhas rendadas enfiadas na cabeça e saias da cintura para baixo e outra por sobre os ombros), esses mascarados sempre se apresentavam em grupos. Nesses tempos, o Recife não conhecia eletricidade, a iluminação pública eram lampiões queimando gás carbônico. Os transportes nos dias de carnaval vinham superlotados dos subúrbios para a cidade. As linhas eram feitas pelos trens da Great Western e Trilhos Urbanos do Recife, chamados maxambombas, que traziam os foliões da Várzea, Dois Irmãos, Arraial, Beberibe e Olinda. A Companhia de Ferro Carril, com bondes puxados a burros, trazia foliões de Afogados, Madalena e Encruzilhada. Os clubes que se apresentaram entre 1904 e 1912 foram os seguintes: Cavalheiros de Satanás, Caras Duras, Filhos da Candinha e U.P.M.; este último criado como pilhéria aos homens que não tinham mais virilidade.

O Corso - Percorria o seguinte itinerário: Praça da Faculdade de Direito, saindo pela Rua do Hospício, seguindo pela Rua da Imperatriz, Rua Nova, Rua do Imperador, Princesa Isabel e parando, finalmente na Praça da Faculdade. O corso era composto de carros puxados a cavalo como: cabriolé, aranha, charrete e outros. A brincadeira no corso era confete e serpentina, água com limão e bisnagas com água perfumada. Também havia caminhões e carroças puxadas a cavalo e bem ornamentadas, rapazes e moças tocavam e cantavam marchas da época dando alegre musicalidade ao evento. Fanfarras contratadas pelas famílias, desfilavam em lindos carros alegóricos.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

PARA NÃO NOS ESQUECERMOS

DOUGLAS MENEZES

Na década de oitenta do século passado, um grupo de jovens aqui do cabo de Santo Agostinho fundou um folheto poético chamado “Para não nos Esquecermos”. Natanael Júnior, Paulo Cultura, de saudosa memória, Antonino Júnior, Frederico Menezes, Gerson Santos, Jeová, entre outros, faziam parte desse trabalho, cuja tentativa maior era resgatar o fazer poético da cidade de Santo Agostinho e avivar a memória dos cabenses para a necessidade de se perpetuar o bem imaterial do município através da arte. Foi uma angustiante busca de se produzir uma “Cantiga para não morrer”, como bem diz o grande poeta Ferreira Gullar. E embora de vida efêmera, a publicação foi um grito, uma chamada de atenção, um incentivo para que não deixássemos de falar, de ter voz, de mostrar à ditadura, principalmente a nível da cidade, que nós estávamos vivos, que tínhamos corações e mentes e, sobretudo, sensibilidade.

Fazíamos parte do grupo e não lembramos bem quem colocou o título tão sugestivo. O certo é que, a partir daquela edição, alguns companheiros não pararam mais de produzir literatura, embora uns tivessem feito um hiato e depois retornado à produção. Parte deles lançou livros, que hoje são antológicos dentro do fazer literário da cidade do Cabo. Natanael Júnior conseguiu a façanha de publicar um livro pelas Edições Piratas, um dos movimentos mais significativos do século vinte na cultura pernambucana. Podemos mesmo dizer que a década de oitenta fez surgir boa parte da hoje Academia Cabense de Letras. Aqueles sonhadores não pleiteavam fama, glória literária, mas apenas um espaço para poder cantar o que a alma implorava.E lembremos: isto ainda na ditadura militar, onde a liberdade de expressão se mantinha cerceada.

Aqueles jovens escritores confirmaram, também, a visão de que se podia fazer cultura sem a tutela do poder público, à época, como hoje, insensível aos bens imateriais de uma comunidade. Mostraram que é possível dizer “as coisas” sem o carimbo oficial” que, muitas vezes, tiram o chance do artista ser realmente livre para realizar seu trabalho. Sua arte sobrevivia da necessidade de produzir esteticamente e de fazer história,deixando claro que a cidade é o povo, com o seu cotidiano sofrido, com sua tradição natural. As pessoas simples é que fazem a historiografia de um lugar, pois o poder é passageiro e muitos dos governantes são jogados apenas no lixo dos anos que se passam.

“Para não nos Esquecermos” teve vida curta, foi sucedido pelo bem mais elaborado “Sol de Versos”, mas, embora quase esquecido, deixou semente e marcou nossa existência. Guardamos suas edições como a um tesouro que não tem preço. Em seu último e eterno número a frase emblemática, que resume o espírito romântico, rebelde, histórico e identificador com a cidade: “Tem Arte e Artistas nas Ladeiras do Cabo de Santo Agostinho”. Lição que os novos deveriam assimilar, pois assusta como, a passos largos, perdemos a identidade e o humanismo. Tornamo-nos cosmopolitas e ricos economicamente, mas estamos esquecendo de beber a água da fonte da espiritualidade que é a cultura. E antes que seja muito tarde, façamos o retorno sem deixar de avançar. Toquemos o presente buscando inspiração no passado “para não nos esquecermos”.

*Douglas Menezes é professor, escritor, tricolor e membro da Academia Cabense de Letras. Janeiro de 2010.