quinta-feira, 31 de março de 2011

UM CANTO EM SURDINA



Gabriel Dourado

Cidade de minha infância,
Dos meus sonhos de rapaz,
Dos meus primeiros amores
-dize-me agora,
Aonde vais?

Cidade quase sem ruas,
Apertadinhas demais,
Cidade das boemias,
Dos verdes canaviais
(como aquelas...nunca mais!)

Terra do meu romantismo,
Dos engenhos patriarcais,
Do São João de seu Zumba,
Das loas de Inácio Pais,
Das glosas de Mergulhão,
Chico Taboca e Caju,
De seu “Vigário sem crôa”,
Dos coqueiros de Gaibu.

Cidade das serenatas,
Das cantigas ao luar,
Cidade de tanta história
Sem nenhuma prá contar...

Cidade da minha infância,
Dos verdes canaviais
-Minha cidade querida,
Dize-me agora,
Aonde vais?

Gabriel Dourado nasceu na Cidade do Cabo. Era formado em Odontologia, foi casado e pai de cinco filhos. Teve intensa vida intelectual e foi um dos fundadores do Grêmio Literário Cabense, entidade que marcou época na cidade e, pode-se dizer, foi o embrião da Academia Cabense de Letras. Escreveu poemas e sonetos importantes e teve em UM CANTO EM SURDINA o seu mais famoso trabalho literário. Como das outras vezes, estamos oferecendo aos nossos leitores a oportunidade de conhecer de perto um dos grandes poetas e intelectuais do passado de nossa cidade.

terça-feira, 15 de março de 2011

UM CORPO QUE CAI, UMA ALMA QUE SOBE

Antonino Oliveira Júnior*

Foi uma mistura de surpresa e tristeza. A notícia me foi dada pelas dez horas da manhã, por Chibata, funcionário da Delegacia de Polícia: Padre Inocêncio, da paróquia de São José Operário, estava morto. Na mesma hora minha mente voltou a exibir sua participação, um ano atrás, na Páscoa Cristã realizada no Cabo de Santo Agostinho, que reuniu os três mais importantes segmentos do cristianismo, ou seja, católicos, evangélicos e espíritas. Calado, de jeito tímido, foi parceiro e integrante de primeiro momento do Movimento.

Talvez não tivesse a eloqüência da oratória de Padre Ramos, do Padre Josivaldo, de um Frederico Menezes e do Pastor Erivaldo Alves, mas, de maneira simples, humilde e com atitudes, apoiou e fortaleceu o Movimento que se desenhava na cidade. Sua morte representará, sem dúvida, uma lacuna, jamais uma ausência. Seu pouco tempo entre nós foi o suficiente para enxergarmos nele um homem de Deus, comprometido com o Evangelho e praticante de uma vida despojada, como Jesus nos ensina.

Sua partida prematura enche a todos de tristeza, mas, também, de certezas. Certezas que nos afirmam que vale a pena lutar por um Jesus vivo na prática de vida; certezas que nos afirmam que a grandeza interior advém de uma vida simples, quase anônima; certezas que nos revelam a força do homem de fala mansa e olhar, às vezes, distante de seu momento; certezas que nos afirmam que, neste momento de dor, há um corpo que cai e uma alma que sobe, para interceder pelos movimentos que lutam por um Jesus Cristo de todos.

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Igreja Batista da Cohab, coordenador do Centro de Estudos e Divulgação do Evangelho e integrante do Movimento Cristão Ecumênico.

quinta-feira, 10 de março de 2011

MAIS QUE PAPANGUS, UM AUTÊNTICO CARNAVAL DE PERNAMBUCO

Por Antonino Júnior

Fui a Bezerros no domingo, dia 6 de março, para ver, mais uma vez, o desfile dos Papangus. A exemplo do ano passado, lá encontrei mais que grupos de Papangus, mas, um foco de resistência cultural diante da ofensiva contra o carnaval de raiz, que se disfarça de Carnaval multi-cultural.

Em Bezerros tive contato com o carnaval de orquestras no chão, do Maracatu, do Caboclinhos, do samba, da Troça irreverente, de muita brincadeira saudável, como deve ser o carnaval de Pernambuco. Bezerros ainda produz um carnaval cuja estrela é o folião. E é o carnaval do frevo-de-rua rasgado pelos metais, da batucada de samba que nos arrasta, do maracatu que nos remete a uma viagem histórica. Em Bezerros vi um carnaval que desmente os inimigos do frevo, que vivem viciando a juventude em coisas de má qualidade. Vi jovens, meninas e meninos, alegres, bonitos, fantasiados ou de corpo pintado, numa participação que parecia querer gritar ao mundo: “Se nos derem este carnaval, nós vamos brincar e vamos gostar”.

Não consigo entender como se apelida de Carnaval multi-cultural um evento com Odair José, Joelma e Chimbinha, Marina Lima, etc., por mais que respeitemos a todos como artistas e reconheçamos o valor de cada um. Ao carnaval de Recife bastava, com certeza, as orquestras de Frevo, os Blocos, as troças, maracatus, afoxés, caboclinhos, nossos cantores e os de fora que gostam e cantam carnaval (Fafá de Belém, Beth Carvalho, etc.) e o resto o povo faz.

Sei que os “de plantão” vão jogar um trem de críticas ao meu pensamento, mas é assim que vejo o carnaval de Pernambuco. Multi-cultural, sim, porque agrega e congrega o frevo, o samba, o maracatu, o afoxé, o caboclinhos, etc., jamais essa mistura que descaracteriza nosso carnaval. Sem preconceitos contra a arte e os artistas, mas, a favor da preservação do carnaval de Pernambuco como bem cultural. No mais, a cidade estava belíssima, bem iluminada e os pólos lotados de foliões de todas as idades.

Voltando a Bezerros, ali encontrei, além do carnaval produzido e brincado pelo povo, uma cidade preparada para o carnaval, com ruas e casas enfeitadas, um povo receptivo, com um enorme sorriso estampado nas faces, uma cidade, enfim, no clima do carnaval, preparada para brincar.

Aqui, na querida Cabo de Santo Agostinho, terra que um dia Pinzón pisou, uma cidade escura, sem enfeites, sem folia, quase não nos deixou saber que era carnaval, com exceção, claro, das nossas pobres e bravas agremiações que, ainda que paupérrimas, conseguem romper a barreira dos descasos e tomam as ruas da cidade, coitadas, numa alegria triste, que mais causa admiração pela pobreza e desarrumação, do que pela beleza do desfile. Destaque mesmo para o abuso dos motoqueiros, para quem não existem normas e nem lei. Tudo podem e tudo fazem.

Em tempo: discordo de um amigo que falou que o carnaval do Cabo de Santo Agostinho agoniza. Morreu mesmo. Na verdade, “descansou”, vítima de uma doença que teve início há mais de vinte anos e se agravou nos últimos sete anos.


*Antonino Oliveira Júnior é da Academia Cabense de Letras, autor do Estatuto do Folião, do Frevo-de-Rua Centenário do Frevo, foi um dos diretores e desfilante da Escola de Samba D.Pedro I, ajudou a fundar e desfilou, na década de 70, na Escola de
Samba Boi Kagado, do GRECUEC) fundador do Bloco Anárquico Deixa Chiar (1983), do Bloco Infantil Pinto da Madrugada (1989), desfilou vários anos no Lira da Mocidade e que, em 1984, puxou o carnaval da cidade, de dentro das sedes sociais para a rua e instituiu a eleição direta para Rei e Rainha do carnaval. Enfim, um cara que gosta de carnaval. Só.

sexta-feira, 4 de março de 2011

terça-feira, 1 de março de 2011

LIRA DA MOCIDADE RESGATA AUTÊNTICOS CARNAVAIS


Antonino Oliveira Júnior
(Crônica publicada no Jornal A VOZ - 1993

Lá vem o Lira da Mocidade, e, com ele, o os pierrôs e colombinas, figuras há tanto tempo afastadas de nosso carnaval, que não têm, sequer, as suas fantasias reconhecidas pela nova geração, a ponto de serem chamadas de palhaços e bailarinas.

Como se não bastassem a alegria, a organização e o visual apresentados pelo Lira, iniciou-se, neste carnaval, um processo que resgata os valores dos carnavais de máscaras e fantasias. Um carnaval poético, romântico e sentimental, onde cada mascarada era disputada pelo pierrô de rosto coberto.

Como se não bastassem as lindas garotas e o bom gosto na decoração de seus carros alegóricos, o Lira resgata o desfile da elegâmcia, dos braços abertos, do sorriso na face e do convite permanente para um amor de três dias. A multidão chegava a ficar atônita, não sabendo ao certo o que era melhor para ela: acompanhar o Clube fazendo o passo ou parar e admirar aquela máquina do tempo, que trouxe para a geração dos computadores o lirismo dos carnavais de nossos pais e de nossos avós.

E a juventude "se ligou! na mensagem do Lira, "sacou" o que ele queria dizer e viu que o belo não tem idade, que o jovem ficaria bonito numa fantasia, que a gatinha ficaria mais mimosa vestida de colombina, que o gato estaria um charme vestido de pierrô.

E que gostosa a paquera dos fantasiados, tímidos foliões, que, sob a máscara, transformam-se em galantes conquistadores. Foram dus horas de desfile no domingo e mais duas na terça-feira, o que foi muito pouco, como pouco é um carnaval de três dias, diz o autêntico folião. Se no domingo, o desfile do Lira foi um sucesso pelo impacto causado, na terça foi um delírio, com o povão curtindo cada passada de seus integrantes, com os fantasiados e mascarados com um pique de quem estava apenas iniciando o carnaval (nem parecia o 3º dia).

Terminado o desfile, entreolhavam-se, como quem pergunta: "Por que parou?" "Parou por quê?" Era a hora de recolher. O estandarte baixava lentamente, os afagos carinhosos entre os mascarados demonstravam uma vontade imensa de continuar. O povo aplaudindo e cantando parecia querer parar o tempo...mas era terça-feira...

"...e a cidade adormecia / ficava a sonhar / ao som da triste melodia..."

*Antonino Oliveira Júnior é da Academia Cabense de Letras. Antonino Oliveira Júnior
(Crônica publicada no Jornal A VOZ - 1993