quarta-feira, 24 de março de 2010

CANÇÃO PRA NINGUÉM OUVIR

Por Douglas Menezes

Meus filhos não lerão esta crônica. Minha mulher não lerá esta crônica, muito menos meus irmãos e amigos. Porque ela é uma canção que não interessa a ninguém ouvir. Traz apenas esse silêncio que não diz nada, e me diz tudo. Desprovida de vida sonora, despoetizada da poesia ruidosa de agora. É só um canto de quem não talvez não tenha mais nada a dizer. Ela encerra esse ciclo que preenche o ex-branco dessa página. Letras mortas, onde nem o dono se anima em vivificar. Tem inspiração. Tem sim. Na música de Chico Buarque, que “Chora notas pra ninguém ouvir”. Mas a melodia e o poema do artista é para alguém. Estes escritos, ao contrário, escondem o sentimento, é tímido, traz a manha dos que não querem se mostrar. Final de livro, uma estrada cujo destino é uma reticência ou um ponto sem saída. Nem sequer a dignidade do beco, mas a incerteza dos descaminhados. Um fechar de volume, um não abrir nunca mais. Cortina arriada, portão cerrado. Voz muda. Círculo vazio. Medo medonho de que alguém queira ouvir. Preciso, então, preencher o resto do papel. Concluir a canção. A música que não diz nada. A música tão inaudível que não possui cantor.

"LUA CHEIA

Chico Buarque De Holanda

Ninguém vai chegar do mar nem vai me levar daqui nem vai calar minha viola que desconsola, chora notas pra ninguém ouvir Minha voz ficou na espreita, na espera, quisera abrir meu peito, cantar feliz Preparei para você uma lua cheia e você não veio, e você não quis Meu violão ficou tão triste, pudera, quem dera abrir janelas, fazer serão".

Douglas Menezes é professor, escritor e membro da Academia Cabense de Letras.